E como é Lagoa vista por quatro fotógrafos portugueses?

  • Print Icon

Estreia dos Encontros Internacionais da Política e da Imagem de Lagoa colocam o município na vanguarda algarvia da fotografia contemporânea. Exposições ficarão patentes até final de março.

As residências fotográficas decorreram no concelho de Lagoa, no verão passado, embora apenas agora surjam a público. Ouvido pelo barlavento, Augusto Brázio, fotógrafo e curador da iniciativa, explicou ao barlavento a génese e os objetivos.

Em conjunto com o antropólogo Paulo Lima, responsável pelo projeto da Casa da Cidadania, «discutimos as temáticas que nos poderiam interessar e depois pensámos nos nomes dos fotógrafos que iríamos convidar para as concretizar, em função do percurso artístico de cada um».

Ao lisboeta Paulo Catrica foi pedido que «olhasse para o território. Ele criou um documento ligado à paisagem, a lugares que não são aqueles que encontramos quando chegamos a um local turístico. O trabalho tem por título Prospectus e podemos dizer que é sobre lugares banais. É uma contemplação e uma reflexão sobre lugares menos visíveis».

Catrica tem um olhar focado na retaguarda, nos «espaços e nas paisagens expectantes», um tema que tem sido caro a diversos fotógrafos portugueses, os «territórios que a economia ainda não resolveu», como descreveu o autor.

«Fotografar é sempre um ato político. Está nas escolhas e no modo como o fotógrafo enquadra, nos assuntos que escolhe para trabalhar, na forma como se confronta com o que fez. Eu, nos últimos anos, tenho trabalhado sempre sobre paisagem e a que me interessa é a dos lugares comuns, do espaço público, acreditando que há um lado social e económico na paisagem que reflete o modo como vivemos a nossa economia e também os nossos sonhos e projetos», disse.

Em Lagoa, «estava muito interessado em ver paisagens menos vistas, em visitar os bairros sociais e perceber coisas que ficam um bocadinho afastadas de todos os arquétipos visuais que se constroem. De certa forma, todas as paisagens que são turísticas, no Algarve, em Lisboa, no Porto, têm um imaginário e interessou-me trabalhar o adverso», descreveu Catrica.

Esta abordagem está em linha com a objetiva de Brázio, que desenvolveu um corpo de imagens sobre a indústria do turismo, com o título Filhos do sol – a busca do idílico.

«Procurei olhar sob o ponto de vista dos fruidores desta indústria, as pessoas que vêm para cá usufruir do sol, do mar, do golfe, da animação noturna. Resultou em vários blocos de imagens: os caminhantes na praia, as festas da espuma, os parques aquáticos», entre outros lugares habituais no itinerário das férias algarvias.

Lara Jacinto, que intitulou o seu trabalho de Paraíso, «olhou para as pessoas que asseguram o funcionamento de toda esta indústria. Pessoas que vieram de fora, que não são desta região, que não são portuguesas, mas que nos bastidores são vitais e necessárias para assegurar uma parte do seu funcionamento regular no concelho», acrescentou Brázio.

Já Valter Vinagre, 66 anos, «fotografou Corações ao Alto, um trabalho sobre as confissões religiosas, porque todas estas pessoas que vêm trabalhar e viver para cá, ou até as que vêm passar férias, acabam por trazer os seus usos e costumes e também as suas religiões».

«É um fenómeno comum, porque quando uma comunidade se instala num local, traz consigo uma faceta religiosa. É uma exposição muito cénica, sob diversos pontos de vista», descreveu o curador.

A estreia dos Encontros Internacionais da Política e da Imagem de Lagoa, que decorrem entre 15 e 18 de janeiro, serviu também para apresentar o projeto da Casa da Cidadania. E com isso editar a primeira série de cadernos Política&Imagem.

Assim, em 2020 saem cinco cadernos e cada um integra todas as fotografias dos projetos expostos, além de um breve texto introdutório e explicativo acompanhado por uma ficha biográfica dos autores.

«São cadernos individuais porque temos o propósito de criar uma coleção que irá crescer, sempre com o mesmo formato e layout gráfico. Há o propósito de que estes encontros sejam anuais», revelou o coordenador.

Território, um conhecido desconhecido

Valter Vinagre, admitiu ao barlavento que um dos motivos para participar neste evento foi poder fotografar num concelho algarvio que conhecia mal, além de se tratar de uma estreia. «Enquanto autor, não gosto de fazer a sempre mesma coisa. Diversidade e inclusão são me palavras caras. Não fazia sentido nenhum ficar limitado à Igreja Católica Apostólica Romana».

Inicialmente, «estive em Lagoa três ou quatro dias e andei na sede do concelho a tentar perceber o que havia de visível sobre as religiões, aquilo que as pessoas sabem que existe, mas que muitas vezes se faz de conta que não existe».

O fotógrafo abordou o tema da religião partindo de alguns princípios. «Estes credos não aparecem aqui por acaso. Só têm visibilidade e representação pública porque têm cá as suas gentes. Relativamente à comunidade islâmica, fotografei o Imã Mamadu Baílo Djaló em Portimão porque não tem um local sagrado em Lagoa, mas uma grande parte das suas gentes trabalha aqui. Além disso, é um credo religioso que está na génese do Algarve, e que faz parte de um ADN cultural da região».

Vinagre espera que o resultado do seu projeto fotográfico seja um contributo para a tolerância. «Nós somos e seremos racistas ou xenófobos quando não conhecemos. O grande inimigo da cidadania democrática é o desconhecimento, mas quando se apresenta aquilo que é desconhecido deixa de haver razão para continuar a existir o temor. Creio que as imagens que produzi podem ter essa função de levar as pessoas a procurar um pouco mais fundo, ou seja, além da aparência, do diz que disse, das fake news. A abrir os olhos e o espírito».

O fotógrafo afirmou ainda que gostaria muito de ver a série fotográfica circular pelo concelho de Lagoa, pelo Algarve e até pelo resto do país.

«Faz todo o sentido. Em conjunto com os outros projetos ou de forma isolada. Enquanto autor e cidadão agrada-me a possibilidade de agarrar naquela aparente realidade e deslocá-la para criar polos de discussão e até de incómodo».

Valter Vinagre. Foto: Filipe da Palma.

Coube a Augusto Brázio trabalhar sobre as faces mais visíveis, essencialmente humanas, do litoral do concelho, onde o turismo comanda a vida. 

«Sempre me fascinou este fenómeno das pessoas a caminhar na praia, parece que se procuram revigorar logo de manhã com caminhadas enérgicas. Por outro lado gosto da tridimensionalidade do corpo e dos gestos, do lado coreográfico e da forma como ocupam o espaço, mesmo numa ação tão simples como caminhar. Imagens que são também metáforas sobre o que é o turismo e o que procuramos nesses dias. Viver numa bolha de bem-estar, de sol, de felicidade. Por último, a encerrar, a noite e o divertimento», concluiu.

Águas da Cruz elogiou contributo dos fotógrafos para «corrigir» a realidade

José Águas da Cruz, presidente da Assembleia Municipal de Lagoa, considerou que os contributos e os olhares dos fotógrafos «far-nos-ão enriquecer na forma como poderemos melhor servir as populações. Os vários ângulos que fizeram sobre o concelho são relevantes para percebermos ainda melhor o nosso território e as nossas gentes. Penso que temos consciência dessa realidade, mas um olhar de fora é sempre enriquecedor!», considerou.

«O vosso contributo é decisivo para implementarmos as melhores políticas e fazermos as correções que forem necessárias. A fotografia também é política e entre as imagens que aqui estão expostas há algumas que me tocaram, como tocaram a outros concidadãos. Têm um enorme poder de persuasão e ficamos a conhecer melhor a nossa identidade e realidade». 

A organização convidou também o fotógrafo João Pina, que tem estado na Colômbia, a acompanhar os refugiados venezuelanos.

Fotografias para a reflexão

Augusto Brázio recomenda a quem queira ver as exposições patentes até março, que «olhe para cada imagem fotográfica de forma diferente da que as pessoas olham para as fotografias dos telemóveis, dedicando mais tempo a ver cada imagem e a tentar interrogar-se mais, com tempo suficiente para reflectir sobre as mensagens» que transmitem.