Descoberto menir com 5.500 anos em São Brás de Alportel

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Menir descoberto no Monte do Trigo é de especial importância para o Sotavento, mas com interesse à escala regional.

Em São Brás de Alportel, os primeiros trabalhos de arqueologia remontam às décadas de 1870 e 1880, quando o município ainda era uma freguesia do concelho de Faro, tendo sido Estácio da Veiga, pioneiro da arqueologia em moldes modernos no Algarve, a inventariar os primeiros achados.

Um século e meio depois, dá-se início à primeira escavação arqueológica de sempre na história do concelho são-brasense, a 14 de agosto. O motivo foi a descoberta de um possível menir, por parte de um residente que procurava trilobites (fósseis) no terreno, no verão de 2021, localizado no topo do Monte do Trigo, na zona dos Machados.

A Direção Regional de Cultura do Algarve juntou-se à Câmara Municipal de São Brás de Alportel e à Universidade do Algarve (UAlg) e assim que o professor e arqueólogo António Faustino Carvalho se deparou com o objeto, «tive logo 95 por cento de certezas de que estávamos perante um menir», esclareceu aos jornalistas na manhã de sexta-feira, dia 18 de agosto, num momento marcado para se apresentarem os resultados preliminares dos trabalhos em campo que cessavam nesse preciso dia. 

Ao lado do monumento em pedra, o responsável explicou que se trata de um menir com especial importância para o Sotavento algarvio e com interesse à escala regional. «A sua forma e matéria-prima de que é feito, calcário, e as suas dimensões, são iguais às dezenas de menires do período neolítico que já conhecemos no Barlavento, em Aljezur, Lagoa, Lagos e Vila do Bispo. Fora destes concelhos, não conhecemos».

Menir descoberto no Monte do Trigo é de especial importância para o Sotavento, mas com interesse à escala regional.
Legenda: António Faustino Carvalho
Crédito: João Lázaro

«A Sotavento, em Salir, por exemplo, existe o Menir do Cerro das Pedras descoberto por Estácio da Veiga no século XIX, e em Alcoutim há um complexo menírico. Mas tratam-se de estruturas semelhantes, feitas com outras rochas e com outras composições. Ou seja, são de um período mais recente da pré-história, da Idade do Cobre, com cerca de 5.000 anos. Esta diria que tem cerca de 5.500 e é do período neolítico», justificou.

Trata-se de uma descoberta importante «porque vem demonstrar que também no Sotavento estas primeiras comunidades neolíticas, que estão mal estudados nesta metade ocidental do Algarve, têm um testemunho da sua presença neste território».

Depois de uma semana de trabalho, foi ainda possível descobrir que o menir não é peça única naquele local. «Não está isolada. Diria que existem mais três ou quatro peças, mas em muito mau estado de conservação. Estão partidas e algumas reduzidas a fragmentos com cerca de 40 centímetros. O menir teve a sorte de estar parcialmente coberto com terra e, como é volumoso, terá resistido, ao longo destes milénios, à ação humana e ao longo do tempo. Originalmente estaria na vertical, não sabemos bem onde, e terá tombado e parado aqui», disse o arqueólogo.

Haverá a hipótese de ter sido um cromeleque? Faustino Carvalho responde: «temos muita dificuldade em reconstruir isso, para já. Há uma equipa de topografia que começou a trabalhar no topo do cerro e que vai topografar os diversos achados. Só aí, com o mapa completo, é que conseguiremos entender melhor qual a disposição dos diversos fragmentos e se existiria um alinhamento. Menires isolados é raro, costumam surgir alinhados em intervalos regulares, uma vez que são marcadores fundamentais de território. Ou seja, assinalavam locais de trânsito, passagem de gado ou ligações entre dois territórios de comunidades diferentes. Precisamos de ter muita cautela antes de afirmar que era um cromoleque, um alinhamento ou outra coisa que ainda não conseguimos perceber».

Para o responsável dos trabalhos, há outro aspeto curioso a destacar.

«A economia alimentar destas primeiras comunidades neolíticas passava pelo pastoreio de animais e pelo cultivo da terra. É interessante se olharmos para a micro-toponímia, para os pequenos nomes da envolvente. Estamos no Monte do Trigo, lá em baixo é o Vale do Joio e temos um menir ligado aos cultos relacionados com a agricultura pré-histórica. Aqui temos uma alusão ao potencial agrícola deste espaço concreto de São Brás, que continua a ter a mesma leitura humana», afirmou.

Futuro do objeto ainda é incerto

Depois do trabalho em campo, o arqueólogo considera que «temos uma caracterização suficiente da realidade arqueológica deste local e julgo que, em princípio, a não ser que na prospeção apareçam novos dados que desconheçamos, não há nada que justifique a retoma dos trabalhos no próximo ano».

Menir descoberto no Monte do Trigo é de especial importância para o Sotavento, mas com interesse à escala regional.
Crédito: João Lázaro

Segue-se a preparação do relatório, o estudo topográfico e a decisão sobre o que fazer com o monumento. «Temos de falar entre as entidades [autarquia, Direção Regional de Cultura]. A UALg dá o parecer técnico e neste momento não me quero comprometer com a minha decisão porque ainda estamos em discussões», esclarece Faustino Carvalho.

Há dois planos que têm de ser considerados e estão relacionados com a conservação do objeto. «O que é melhor, deixá-lo aqui ou exumá-lo para um sítio que fique protegido?». São estas perguntas que o responsável terá de responder no relatório técnico final. «Estou a hesitar. Por um lado, a peça está fragmentada, tem várias lascas e está fissurada ao meio. Ficar aqui exposta corre o risco de se fraturar de forma irreversível. Por outro, se a levarmos daqui, temos o problema técnico de a removermos. Estamos numa vertente onde os veículos não chegam facilmente e onde o menir se pode acabar por partir. Vai ser tudo ponderado», explica.

Para a segunda hipótese, o professor sugere que seja colocado no §Centro Explicativo da Calcinha, o «local ideal porque é um ponto de atração turística no concelho, inserido numa paisagem notável».

Autarquia quer alargar estudo
Menir descoberto no Monte do Trigo é de especial importância para o Sotavento, mas com interesse à escala regional.
Legenda: António Faustino Carvalho e Vitor Guerreiro
Crédito: João Lázaro

Vitor Guerreiro, presidente da Câmara Municipal de São Brás de Alportel, presente no momento, disse aos jornalistas: «este trabalho é muito importante. No município temos tentado sempre ter como prioridade a valorização do nosso património, estudá-lo, conhecê-lo melhor e sempre que possível disponibilizá-lo para a população. Foi com muita alegria que vimos os trabalhos neste achado. Tudo aquilo que pudermos encontrar que valorize a nossa história ancestral, é para preservar acima de tudo. Estamos completamente abertos para seguirmos as indicações de quem sabe. Sentimos que temos de conhecer de onde viemos para projetar um futuro melhor para todos. Estamos abertos às indicações técnicas que valorizem este património e, se possível, alargar o estudo a esta área e a outras, porque esperamos encontrar mais achados arqueológicos importantes» no concelho.

O que é um menir?
Menir descoberto no Monte do Trigo é de especial importância para o Sotavento, mas com interesse à escala regional.
Crédito:João Lázaro

Segundo explicou António Faustino Carvalho, «um menir é um monumento trabalhado, em pedra, colocado na vertical, polido e desbastado frequentemente para assumir uma forma fálica. São dos primeiros monumentos em pedra da história da humanidade e na Europa são os primeiros que tinham uma função cultual. Ninguém vivia, ou dormia, ou tinha o seu quotidiano à volta destas peças, mas eram locais de reunião, de festividades e de cultos, que desconhecemos em grande medida».

Na prática, simbolizavam a fertilidade, seja dos animais, das pessoas ou das terras, e daí a sua forma. No neolítico, os primeiros agricultores da história da humanidade, dependiam das estações do ano para a reprodução dos animais, para a época das sementeiras e das colheitas. «Daí a prática das cerimónias de culto e a localização dos menires, em cimo dos montes, porque estamos mais próximos do céu», refere o professor.