O presidente do Conselho de Especialidade da Ordem dos Psicólogos e professor universitário de bioética, Miguel Ricou, defendeu que Portugal está a enfrentar «um tsunami» na área da saúde mental como consequência da pandemia de COVID-19.
A insuficiência de dados na literatura não permite concluir se a pandemia da COVID-19 foi o mote para o aparecimento de doenças do foro mental em estádio grave, mas é expectável que muitos doentes tenham visto «agravar os seus estados de perturbação por terem maior dificuldade de acesso às consultas», afirmou, em declarações à Lusa, Miguel Ricou.
A par da inacessibilidade e falta de acompanhamento, o professor da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP) e investigador do CINTESIS, acredita que o diagnóstico «não foi facilitado» pelos sucessivos confinamentos provocados pela pandemia.
«Tirando isso, não encontramos ligação que seja clara entre a pandemia e essas patologias», disse, lembrando, no entanto, que os «números» são a grande dificuldade dos serviços de saúde mental.
«Há uma grande dificuldade na notificação e, portanto, temos poucos dados confiáveis», afirmou.
Ainda que a correlação entre a pandemia e as patologias mentais graves, como a esquizofrenia e demência, não seja possível, é face a outras doenças como a ansiedade, depressão, distúrbios de sono, comportamentos obsessivo-compulsivos e aditivos.
«Nós estamos a enfrentar um tsunami na saúde mental. Tenho poucas dúvidas sobre isso e tenho muito medo da resposta», afirmou o especialista.
Considerando que a resposta continua a ser «pouca» para a procura, a organização «débil» e a reação «muito tardia», Miguel Ricou receia o que poderá «vir por aí».
«Espero que pelo menos sirva para abanar a consciência dos mais céticos», observou, acrescentando ser fundamental encontrar «respostas para os problemas das pessoas agora».
«Devíamos estar a ir à procura das pessoas, estar a fazer educação psicológica deliberada porque é muito preventivo do que são os problemas. Devíamos estar a chegar às pessoas para trabalhar com elas quando ainda não têm desequilíbrios que provocam doença», salientou.
Lembrando que a pandemia centrou as pessoas nos seus problemas e as fez reconsiderarem a sua vida, com 44 por cento delas a terem tomado uma decisão importante durante a crise pandémica, Miguel Ricou defendeu que «quanto mais tarde se chegar às pessoas, potencialmente mais graves podem ser os quadros».
«Inevitavelmente estamos sempre a perder tempo e a potenciar um maior custo económico», acrescentou.