Comemorações do Centenário da Chegada do Comboio a Lagos deram o mote para lançar o debate sobre a importância da ferrovia na atualidade, face aos desafios da descarbonização e da mobilidade sustentável.
O programa do Centenário da Chegada do Comboio a Lagos arrancou no dia 29 de julho, sexta-feira, com um colóquio que reuniu dois painéis de conceituados oradores.
A sessão de abertura esteve a cargo de Hugo Pereira, Joaquina Matos e José Apolinário, respetivamente presidentes da Câmara, da Assembleia Municipal de Lagos e da CCDR Algarve. Todos destacaram, nas suas palavras introdutórias, o simbolismo da iniciativa de celebrar a efeméride histórica em si, assim como a necessidade de recentrar o debate, a estratégia e o investimento público na ferrovia.
José Apolinário elogiou «a resiliência da comunidade lacobrigense, uma vez que tanto a ferrovia, como a autoestrada, só chegaram a Lagos após processos longos e sofridos», aproveitando a ocasião para sublinhar «a necessidade de existir uma maior articulação entre a ferrovia e a rodovia, a partir do eixo comboio/ferrovia, complementada com a mobilidade urbana suave, a micro mobilidade e uma maior utilização dos transportes públicos».
No painel da manhã, dedicado ao passado, Hugo Silveira Pereira, investigador de História das Ciências e da Tecnologia, recordou os fatores que influenciaram o processo de decisão da criação da rede ferroviária nacional, apresentando a tese segundo a qual a mesma terá resultado do cruzamento de recomendações técnicas (engenheiros), de interesses de segurança (militares), económicos (investidores, nestes se incluindo os influenciadores locais) e políticos (decisores políticos), grupos que não eram estanques entre si.
A estes juntava-se igualmente o fraco conhecimento sobre o território, designadamente quanto ao relevo, fazendo com que muitas das propostas fossem mais intenções do que projetos propriamente ditos.
O historiador Joaquim Rodrigues centrou a sua apresentação no Plano da Rede Ferroviária ao Sul do Tejo, recordando os atores políticos que defenderam a construção do ramal de Lagos e a conjugação desse investimento com a criação de infraestruturas portuárias na cidade.
O empréstimo contraído pela Câmara Municipal de Lagos para financiar à época a construção da linha férrea do Sul e Sueste, assim como os fatores que influenciaram e atrasaram a concretização desse objetivo, foram temas também abordados nesta comunicação.
Neste painel houve ainda oportunidade de assistir à apresentação do Museu Nacional Ferroviário, pela voz do presidente da Fundação que gere esse património. Relacionando a existência, nos dias de hoje, de um ainda tão considerável espólio ferroviário com o facto de Portugal ter ficado à margem dos dois grandes conflitos mundiais, Manuel Cabral apresentou o trabalho que tem sido feito pela Fundação, em especial as oportunidades suscitadas pela pandemia, que obrigaram o Museu a rever conceitos e a abrir-se ao público, através de novos meios, linguagens e serviços.
Afirmando que a ferrovia é «um conjunto de infraestruturas imóveis e móveis que só tem importância se servir as pessoas», o presidente da Fundação deu a conhecer os projetos já implementados para tornar o Museu mais acessível, quer em termos de mobilidade, quer no uso de uma linguagem facilmente compreendida por todos, assim como a ligação que tem sido incrementada entre o património e as pessoas e na ligação ao local e regional.
Referindo-se às comemorações, Manuel Cabral sublinhou a sua importância, afirmando que «o comboio tem uma história notável» e desejando que «este seja um momento de viragem para a aceleração dessa história».
As intervenções do período da tarde centraram o tema sobretudo no presente e naquilo que deverá ou poderá ser o futuro da ferrovia na região e em Portugal, com Eduardo Zúquete, estudioso da mobilidade e transportes, a marcar a sessão, defendendo a tese de que «o Algarve é hoje uma Cidade Linear, com elevado nível de circulação interna, particularmente no período estival, e que isso requer estruturas ferroviárias que permitam circulações em regime de Alta Frequência e de adequada velocidade».
Não escondendo o tom crítico relativo às opções que têm estado a ser tomadas, Eduardo Zúquete classificou de «tardia a obra de eletrificação da linha do Algarve», assim como o facto de «não estar prevista a retificação dos traçados e duplicação da via», ficando, no seu entender, este investimento, «em termos de velocidades e frequências permitidas, muito aquém das necessidades atuais e muito mais das necessidades futuras que se desenham, o que retira muita rentabilidade social ao investimento».
Por sua vez Carlos Fernandes, vice-presidente da IP – Infraestruturas de Portugal, recordou «as grandes intervenções realizadas na rede ferroviária nas últimas décadas», destacando, entre outras: o atravessamento Norte – Sul, que contemplou a instalação do caminho-de-ferro na ponte 25 de Abril e a construção de um novo troço em via dupla eletrificada, entre Campolide e Pinhal Novo, garantindo a ligação direta entre Valença e Vila Real de Santo António através de Lisboa, sem ser necessária a travessia fluvial, entre o Terreiro do Paço e o Barreiro, e encurtando significativamente os tempos de viagem na ligação Lisboa-Algarve; a nova Estação de Lagos; a Variante de Alcácer; a renovação integral da via na Linha do Algarve, e a sinalização do troço Tunes-Lagos.
O representante da IP deu a conhecer os investimentos de 2 mil milhões de euros em curso, previstos no âmbito do plano Ferrovia 2020 e que têm um cofinanciamento da União Europeia no valor de mil milhões de euros.
Dessa verba, 80 milhões estão destinados ao Algarve e a ser aplicados na eletrificação dos troços Tunes – Lagos e Faro – Vila Real de Santo António, intervenção que compreende a modernização dos sistemas de sinalização e telecomunicações ferroviárias, a instalação de videovigilância e de sistemas de informação ao público em todas as estações e apeadeiros, a supressão e automatização de passagens de nível e a intervenção em edifícios de estações e apeadeiros.
As principais vantagens desta intervenção são, frisou, «os ganhos de ordem ambiental e a redução do tempo de percurso, quer dos serviços regionais, em 25 min entre Lagos e Vila Real de Santo António, quer permitindo o prolongamento dos serviços de longo curso de Faro a Vila Real de Santo António, reduzindo o respetivo tempo de percurso entre 10 a 25 minutos».
Carlos Fernandes apresentou ainda o Plano Nacional de Investimentos para 2030 (PNI 2030), que prevê a aplicação de 10 milhões de euros na ferrovia, e os vários cenários que estão em cima da mesa para a ligação e o tempo de viagem no eixo Lisboa – Algarve, assim como as várias ambições já identificadas para e pelo Algarve no âmbito da recolha de contributos para o Plano Ferroviário Nacional.
A última intervenção coube a Pedro Moreira, vice-presidente da CP – Comboios de Portugal, que partilhou com o público alguns dados da operação, destacando o facto de as pessoas estarem a voltar a utilizar a ferrovia nas suas deslocações, superando os números de passageiros registados em 2019, no período pré-pandemia.
Levantando o véu sobre o que está previsto para a Linha do Algarve, Pedro Moreira identificou, como grandes apostas, «o reforço da oferta, a redução dos tempos de viagem, o aumento do conforto, a melhoria do sistema de informação ao cliente e a maior integração com outros operadores de mobilidade regional e local».
As novidades em matéria de longo curso serão a extensão a Vila Real de Santo António, assim como a hipótese, em estudo, da possível extensão do serviço de longo curso até Lagos.
O vice-presidente da transportadora ferroviária sublinhou, ainda, «a aposta realizada na recuperação do material circulante, incluindo locomotivas e carruagens, representando um investimento de 7,8 milhões de euros, com 90 a 95 por cento de incorporação nacional, valor, portanto, incomparavelmente inferior aos 104 milhões de euros que seriam necessários para adquirir novas unidades».
Esta solução tem, segundo o alto responsável da CP, «permitido aumentar a capacidade de serviço no curto prazo, enquanto decorrem os procedimentos para a aquisição de novos equipamentos, mas também aproveitar a experiência das pessoas que trabalham há muitos anos na CP».
Uma solução que, ainda assim, não dispensa o investimento na aquisição de material circulante novo e moderno, estando já adjudicados 22 novos comboios e mais 117 em fase de concurso, somando um valor de 977 milhões de euros.
A encerrar os trabalhos, Sara Coelho, vereadora da Câmara Municipal de Lagos, afirmou a necessidade do Algarve «ter uma posição vincada sobre o investimento nas redes viária e ferroviária, para que essa mensagem chegue aos centros decisores, e sublinhou a importância de iniciativas como este colóquio, que contribuem para a informação e formação de massa crítica».