«Foi impossível salvar o centro. Ainda regámos os telhados com água, mas havia tantos fogos a surgir nos aglomerados de casas, que nenhum bombeiro apareceu. Estavam concentrados noutras situações. Isto aconteceu na noite de domingo, em que o fogo quase que entrou por Monchique adentro», recorda Shanti Balkrishna Fernandes, uma das filhas dos fundadores de Karuna, o casal Bal Krishna e Ana Ferraz.
«Naquele dia, estava lá alojado um grupo de 30 pessoas que saiu à hora de almoço. Quando evacuámos o local, ao final da tarde, estavam lá seis pessoas acabadas de chegar, portugueses e estrangeiros. Depois de os tirar de lá, nunca mais pudemos regressar ao centro, porque o fogo avançava por cima e por baixo da encosta».
A família só viu a dimensão dos prejuízos às 6 horas de segunda-feira, 6 de agosto. Estava tudo perdido. «A estrutura principal ficou totalmente destruída. Sobraram duas casas de banho pequenas que terão de ser demolidas e os quartos dos voluntários. Os dois templos [um com 200 metros quadrados e outro com 90], a casa principal com 14 quartos e a sala de refeições ficaram em cinzas», lamenta Shanti Fernandes, nestes dias voluntária no Centro de Apoio à População de Monchique, instalado de forma provisória na Escola EB 2,3 Manuel Nascimento. «Tal como nós, há mais 300 pessoas. Estamos de alma e coração com todos os que sofreram e ainda sofrem com as consequências destes fogos devastadores», sublinha.
No rescaldo e apesar dos estragos, os proprietários estão determinados a reconstruir o centro que fundaram no início dos anos 1990. Estão a organizar grupos de voluntários para ajudar na limpeza do terreno, ao longo dos próximos fins de semana. Quem quiser ajudar deve calçar sapatos de trabalho e trazer um bom farnel. Pás, luvas, carros de mão, moto-serras, rebarbadoras (de bateria) com disco e outras ferramentas também serão úteis para remover os escombros. Os interessados têm ao dispor os contactos 969 301 486 e 912 221 857.
Sonho tibetano na serra algarvia
Tudo começou com uma ruína num lugar remoto e de difícil acesso, perto da Picota, na Serra de Monchique. Em boa verdade, a propriedade onde se erguia o Karuna, pertenceu a uma inglesa que ambicionava ali construir uma clínica de medicinas alternativas. Não viveu para concretizar o projeto e no início da década de 1990, Bal Krishna e a mulher Ana Ferraz, encontraram ali as condições ideais para construir um lugar especial, destinado à meditação, à espiritualidade e ao desenvolvimento pessoal. Pouco e pouco, nasceu o Karuna, palavra que significa «compaixão».
Com regularidade acolhia seminários de yoga e rituais de hinduísmo e de budismo tibetano, como o Yagna, um ritual hindu de purificação celebrado na primavera. «Todas estas filosofias são comuns noutros países e têm muitos seguidores. Em Portugal, contudo, fazia falta um espaço para os acolher e para retiros individuais ou em grupo», explica Ana Ferraz. «De certa forma, podemos dizer que era um lugar destinado ao turismo espiritual. Quando alguém vinha cá passar uma temporada é porque precisava de se desligar do mundo para restabelecer a sua própria energia. E não podia esperar mais nada do que uma vida simples, sem consumo, nem confortos». Já que sempre se trata de um projeto sem fins lucrativos, a Associação Shantideva (nome oficial da entidade que gere o Centro de Retiros Karuna), quaisquer donativos são bem-vindos, através do IBAN PT 50 0035 0283 0000 5474 3303 5 (Caixa Geral de Depósitos).