O Centro de Acolhimento de Emergência Social já deu resposta a 36 pessoas e seis agregados familiares desde que inaugurou, no início de setembro. Os casos aumentam na Segurança Social todos os dias e já há grande lista de espera. A equipa está preocupada e fala em nova «crise» no horizonte.
Foram 25 as camas que ficaram disponíveis logo na inauguração do Centro de Acolhimento de Emergência Social (CAES), no Patacão, em Faro, aquando da comemoração do Dia do Município, a 7 de setembro.
As vagas esgotaram num ápice, e com apenas um mês de funcionamento já é possível identificar uma uma tendência nos casos da região, que está preocupar a equipa responsável.
«Abrimos e começámos logo a ter situações de pessoas que perderam os empregos na restauração e na hotelaria. Nestes últimos casos, o alojamento estava incluído na oferta de trabalho. Ora, assim que o verão acabou, estas pessoas foram de imediato descartadas. Temos várias situações assim. É triste saber que o Algarve faz publicidade para chamar pessoal, o sector queixou-se com falta de mão de obra e depois temos situações de promessas de contratos que nunca chegaram», começa por explicar ao barlavento Fábio Simão, presidente do MAPS – Movimento de Apoio a Problemáticas Sociais, entidade responsável pela gestão do CAES, em colaboração com a Segurança Social.
E detalha: «há casos que nos tocam bastante. Neste momento, temos uma mãe com dois filhos que tinha alojamento no hotel onde trabalhava durante o verão, no Barlavento, e foi despedida de um dia para o outro. Nem sequer teve direito ao aviso prévio com o prazo legal. Um dos filhos está em idade escolar. Está sem aulas há vários dias porque aguardamos o processo de transferência de escola. O impacto desta situação é enorme, e não é caso único».
O responsável aponta os efeitos da pandemia como uma causa provável, ainda assim, na sua opinião, «não é justificado. É preciso que haja coerência. Estamos a acolher pessoas que não têm qualquer ligação ao Algarve e que vieram antes da época alta em busca de melhores condições de vida, que lhes foram prometidas perante a oportunidade de um emprego. Agora, além de não terem trabalho nem rendimento, encontram-se numa região à qual não têm qualquer ligação ou rede de apoio. Temos, também, um grupo de homens que trabalhava na hotelaria sem contrato, sempre na esperança de o assinarem, que também foram mandados embora» de um dia para o outro.
Das 36 pessoas que já ocuparam uma vaga do CAES em Faro, a grande maioria está relacionada com o desemprego que resulta logo na impossibilidade de se manter uma habitação.
Na equação entram, inclusive, seis famílias, sendo que duas foram já reintegrados na comunidade. «E há mais identificadas em fila de espera. Foi muito assustador para nós esta realidade das famílias com jovens e menores, porque chegam-nos numa situação de verdadeira aflição», afirma.
Era o panorama que esperavam com a inauguração do CAES nesta altura? «Suspeitávamos, mas não pensámos que esta realidade fosse tão frequente. No caso das famílias, estamos a falar de agregados inteiros», responde Fábio Simão, que adianta mesmo que os números de pessoas nesta situação, aumentam todos os dias.
«A Segurança Social gere os pedidos. Na última reunião do Núcleo de Planeamento e Intervenção Sem-Abrigo (NPISA) de Faro foram apresentados três casos, só nesse dia. Os números não param de crescer e todos os dias há pessoas a chegar nessa situação. A fila de espera é superior à nossa capacidade. Preenchemos as 25 camas rapidamente e não temos previsão de voltarmos a ter vagas. Assim que sai uma pessoa, entra outra de imediato. Percebi que, se neste momento metade dos utentes do CAES fossem integrados, meia hora depois essas vagas estavam de novo ocupadas».
Para a equipa do MAPS, as perspetivas futuras não são positivas e existe o receio de que estas situações aumentem, com a subida dos preços motivada pela inflação e pelos danos colaterais na economia devido à guerra na Ucrânia.
«Esse é o nosso medo. Há uma nova crise que está a chegar e os seus efeitos também. Aliás, já os começamos a sentir na carteira. É apenas uma questão de tempo até haver um boom de problemas sociais. Aí vai ser fatídico. Vão-se juntar estas situações com aquelas em que as entidades deixam de conseguir manter abertos os seus estabelecimentos. Estamos a ver os custos a triplicar e ninguém está preparado para isso. Muito menos depois de uma pandemia, em que muitos ainda não conseguiram estabilizar as contas. Isto vai começar a surgir com muito mais intensidade e estamos até um pouco assustados», admite o presidente da instituição.
Em todas as situações, o CAES segue um plano de ação articulado com a Segurança Social na procura de respostas de integração para cada pessoa ou família na região. Ainda assim, de acordo com o responsável, neste momento, o mais difícil no Algarve até nem é encontrar empregos disponíveis, mas sim habitação.
«Esse é que é o grande problema e vai continuar a sê-lo no futuro, mais até que encontrar um trabalho estável com contrato legal. O que temos feito é articular com outras respostas. O CAES é um alojamento de transição, disponível, no máximo, por seis meses, mas depois é preciso uma resposta maior, como o caso dos apartamentos partilhados que permitem alojamento por um ano. Queremos acreditar que depois de um ano de trabalho estável, a pessoa já se consegue ir organizando», explicita o responsável.
Quanto às entidades empregadoras, em particular ao sector da restauração e hotelaria, Fábio Simão deixa uma mensagem: «não se pode fazer um alarido tão grande sobre a falta de recursos humanos, quando depois não há condições para lhes oferecer. É preciso olhar para esta questão com responsabilidade social. As pessoas querem trabalhar, mas com condições e segurança. E também é importante que a mão de obra esteja consciente» sobre o que é o mercado de trabalho algarvio.
«No CAES temos, neste momento, três contratos de trabalho com pessoas que saíram da restauração para trabalharem aqui. Agora ganham menos, mas dizem-nos que é mais estável e duradouro, trabalham de facto oito horas por dia, chegam ao final do mês e sabem que recebem».
Já para a comunidade algarvia, o pedido é mais simples: «não podemos esquecer que cabe a todos nós sinalizar as situações de emergência para que sejam encontradas respostas. A linha 144 serve para isso mesmo. Está acessível a todos e disponibiliza um técnico especializado da Segurança Social que analisa, faz a triagem e o devido encaminhamento, se necessário. É essa linha que ativa a nossa equipa que está pronta para sair a qualquer dia e a qualquer hora. É muito importante que a comunidade se envolva para todos cumprirmos aquilo que é também um dever cívico: notificarmos situações à linha, ao município ou às instituições» como o MAPS.
Quem quiser apoiar o CAES, a sede do MAPS aceita donativos monetários, alimentação ou roupa, sendo que está a precisar de voluntários para as atividades educativas que são promovidas aos utentes. Além de workshops de maquilhagem e desenho, estão planeadas aulas desportivas e ateliers lúdicos.
Algarve com mais pessoas em situação de sem abrigo no verão
O MAPS – Movimento de Apoio a Problemáticas Sociais atua em 12 concelhos da região algarvia, contando com equipas de rua que trabalham com pessoas em situação de sem abrigo.
Com vários anos de atuação nesta área, e diversas provas dadas, o presidente da instituição garante que há um panorama que é comum todos os anos.
«O Algarve, na época do verão, é um destino escolhido por muitas pessoas que vêm fazer a maré. Temos uma quantidade enorme dessas pessoas em situação de sem abrigo. É sempre natural que nesses meses venham para cá tentar novas oportunidades. Está bom tempo, dorme-se melhor numa praia, há mais oferta de emprego e a esmola dos estrangeiros é maior».
Todos esses casos são também sinalizados, mas o número «real» só é contabilizado no mês do novembro, até porque a mobilidade dessas mesmas pessoas é superior na época alta. «Se vamos registar números mais elevados? Não sei. Se existem novas pessoas nesse contexto? Existem. Se vão permanecer todas cá? Provavelmente não».
Falta plataforma nacional que contabilize os números reais
Para Fábio Simão, há uma carência grande nesta área que está relacionada com o número de pessoas em situação de sem abrigo.
«É necessário criar uma plataforma nacional, através da Estratégia Nacional para a Integração das Pessoas em Situação de Sem-Abrigo (ENPISA), em que todas as entidades pudessem ter acesso ao percurso e ao local onde esses indivíduos estão».
Isto porque, como o próprio exemplifica: imagine-se uma pessoa em situação de sem abrigo em Faro, prestamos apoio e na semana seguinte a pessoa desaparece. Perdemos-lhe o rasto. Pode estar em Albufeira, onde não temos equipas de rua. Não consigo saber e as colegas daquele concelho também não. Há uma grande dificuldade nesse sentido. O ENIPSA reporta o número de sinalizações num ano. Isto significa que, desde o dia 1 de janeiro a 31 de dezembro, circularam x pessoas. Não quer dizer que ainda estejam no mesmo concelho ou que continuem a estar em situação de sem abrigo».
Mesmo quando o utente é integrado na sociedade e deixa a rua, o número continua a contar, não existe uma subtração.
«Se tivéssemos uma base de dados com números reais e atualizados ao momento, como têm, por exemplo, as Comissões de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ), ou o Serviço Nacional de Saúde (SNS), podíamos perceber melhor a realidade. Ajudava-nos muito, seria uma mais-valia e facilitaria o nosso trabalho de conhecer em tempo real os números», explicita.
Região com «esforço brutal» pela causa social
De acordo com os números apresentados pelo presidente do MAPS, o Algarve tem a melhor taxa de integração de pessoas em situação de sem abrigo do país.
«Em 2021 tivemos 160 por cento de integrações. O número é acima dos 100 porque uma integração significa uma cama vaga, que pode ficar vaga várias vezes. Nunca deixamos uma cama vazia e daí essa taxa», refere.
Sobre as Estratégias Locais de Habitação que estão a ser implementadas no Algarve, Fábio Simão opina que «fazem muita falta» e que a região se tem «esforçado» na área social, sobretudo nos últimos anos.
«A região está a tentar. Não é imediato, mas está a acontecer. Não é suficiente, mas não se resolvem os problemas de um dia para o outro. A verdade é que a diferença é grande e temos caminhado. Podia fazer-se mais, mas olhando para o país e vendo os esforços que têm sido feitos, a evolução tem sido brutal. Desde há quatro ou cinco anos, há um crescimento e estamos de parabéns. Temos um caminho grande pela frente, mas o mais importante é estarmos a percorrê-lo e não estarmos parados», conclui.