Balsa: arqueólogos satisfeitos com resultados da primeira campanha

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Projeto de investigação em terrenos privados junto à Ria Formosa, na Luz de Tavira, deverá durar três anos. Para já, foram descobertas estruturas que confirmam as sondagens geofísicas e os trabalhos de prospeção realizados em 2017.

Balsa era «uma pequena cidade de uma província periférica» do império romano e ainda hoje não se sabe bem quais os limites, onde começava e acabava o perímetro urbano. Esse é aliás, o principal objetivo da primeira campanha arqueológica que terminou na quinta-feira, dia 5 de setembro.

A arqueóloga Brígida Baptista mostra um anzol romano, acabado de ser descoberto.

Também se pretendeu avaliar o estado de conservação dos vestígios, uma vez que aqueles terrenos têm tido utilização agrícola intensiva ao longo dos anos», segundo explicou ao «barlavento» João Pedro Bernardes, arqueólogo e professor do Departamento de História Arqueologia e Património da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade do Algarve (UAlg). Para já, a equipa de arqueólogos identificou os limites de duas edificações e a via que existia entre ambas, com direção este-oeste.

«Além dos limites, onde é que fica o centro de Balsa? Tudo indica que fica na colina, onde é a Quinta da Torre de Aires. A topografia é completamente artificial. Há ali uma plataforma que foi cortada e onde nós pensamos que poderá estar a praça pública, o fórum. Aliás, não é apenas pela topografia, é também por algumas epígrafes, que são pedestais de estátuas, que existiriam nesse espaço e que ainda se podem ver duas. Está previsto serem removidas para o Museu de Tavira. Até porque uma das quais tem um texto a identificar eventualmente quem seria a pessoa homenageada na estátua que suportava esse pedestal», referiu João Pedro Bernardes. Essa investigação será realizada, em princípio, na campanha de 2020, caso se chegue a acordo com os proprietários do terreno.

João Pedro Bernardes, arqueólogo e professor do Departamento de História Arqueologia e Património da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade do Algarve (UAlg).

«Este ano um dos objetivos alcançados foi tentar determinar umas anomalias que aparecem na geofísica e nas fotografias aéreas, umas coisas redondas com cerca de 40 metros de diâmetro. É sobretudo um grande alinhamento, com 100 metros quase, muitas dezenas de metros, que tem sido muito documentado. Muita gente tem dito que seria ali o porto e que correspondia a uma estrutura portuária. Isto mesmo no limite da propriedade, junto à Ribeira da Luz. Sondámos aquilo tudo, até com uma retroescavadora e não descobrimos nada. As anomalias que a geofísica assinala são, pelo menos foi isso que detetámos, os lodos fossilizados da antiga Ria» Formosa.

«Colaborámos com geólogos espanhóis e eles, desde a primeira hora, nos disseram que era difícil o porto ser naquele sítio por questões meramente de geodinâmica costeira. Parece confirmar-se. Então onde seria? Esse será um dos objetivos para o próximo ano. Já detetámos ali, mesmo em baixo das casas da quinta, a paredes meias com a Ria, uma grande estrutura em concreto romano, cimento romano, que pode corresponder não a um grande porto, mas a um embarcadouro que serviria a cidade, nomeadamente o fórum e aí a localização é mais consonante com este tipo de cidades», avançou o arqueólogo.

A equipa encontrou dois momentos de ocupação de Balsa, em que houve um reaproveitamento dos materiais e estruturas mais antigas. «Aparecem restos de cerâmicas de todo o Mediterrâneo, um pouco de tudo o que havia no império romano. Sabemos que houve gente a viver aqui desde o século I a.C. até ao século VII d.C. Portanto, foi um período muito grande, embora a cidade romana clássica tenha durado pouco tempo, cerca de 200 anos, entre o século I e o II», afirmou o investigador da UAlg.

Onde fica o centro de Balsa? Tudo indica que é na colina, onde está o Solar da Quinta da Torre de Aires.

O que aconteceu a partir daí? «Em finais do século II há uma série de eventos de natureza política que afetam toda esta região. E o que afeta muito estas cidades litorais, e todo o Algarve litoral no geral, e que hoje começamos a descobrir isso, são eventos de extrema energia, entre os quais se incluem os tsunamis, que são os mais graves. Há uma cidade próxima daqui Baelo Claudia, em Tarifa, Cadiz, que está ser estudada há muitos anos, onde esse tsunami, semelhante ao de 1755, arrasou tudo. Tal como Balsa, essa cidade nunca mais recupera dessa destruição quase total. O mesmo se passa aqui. Quem vai beneficiar é Ossónoba (Faro), que durante o século I e II é uma cidade relativamente apagada em relação a Balsa, mas que a partir do século III é incontestavelmente a mais importante de toda a região», concluiu.

O projeto de investigação está a ser conduzido pela UAlg e o Centro de Ciência Viva de Tavira, com o apoio da Direção Regional de Cultura e da Câmara Municipal de Tavira.