ARTitude nasce em Olhão para apoiar artistas urbanos do Algarve

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Nova associação ARTitude elenca um conjunto de criativos algarvios cuja figura de proa é o conhecido writer olhanense SEN (Dário Silva).

Uma antiga instalação fabril devoluta, na Rua do Caminho de Ferro, em Olhão, está aos poucos a ser transformada numa galeria com trabalhos de vários artistas que por ali têm passado desde agosto último. Quem por ali passa, não imagina a quantidade e qualidade dos trabalhos originais pintados no interior. Para já, não há data para abrir ao público, pois há «ainda muito por fazer para tornar o espaço seguro aos visitantes», começa por explicar Júlio Pereira, presidente da recém fundada ARTitude – Associação de Cultura e Arte Urbana.

«Comecei a pintar há 20 anos com o SEN», nome artístico do olhanense Dário Silva, um dos mais conhecidos artistas de graffiti do Algarve. «Parei de pintar em 2005, mas ele continuou sempre a evoluir até hoje. Entretanto, houve várias tentativas para se fazer um documentário sobre o SEN, mas por razões diversas nunca foi terminado. Decidi eu próprio iniciar esse projeto e, entretanto, notámos que não existe uma entidade que apoie os artistas urbanos», diz.

Na capital, por exemplo, existe desde 2008 a Galeria de Arte Urbana (GAL). É gerida pelo Departamento de Património Cultural da Câmara Municipal de Lisboa. Tem por principal missão promover o graffiti e a street art, dentro de um quadro autorizado e de respeito pelos valores patrimoniais e paisagísticos, em oposição aos atos ilegais de vandalismo e poluição visual que agridem a cidade.

Portanto, «decidimos formalizar esta associação» com o apoio de Nuno António, ex-dirigente da MOJU – Associação Movimento Juvenil em Olhão, que neste novo coletivo ocupa o cargo de presidente da assembleia geral.

O processo começou há cerca de dois anos, com a preparação de estatutos, do regulamento interno, e de um primeiro plano de atividades que ainda está na calha. O núcleo de artistas, além do consagrado SEN, alinha Samir, Gera, Tabaco (todos de Faro), Sauk, Snise (ambos de Quarteira), Mascote (Loulé), RES (Tavira).

«Quarteira foi para nós uma inspiração, pois durante muito tempo era conhecida como capital da cultura hip-hop no Algarve. Havia grafitti, DJs, break-dance, rap, mas ao longo do tempo tudo isso se foi perdendo. Hoje, penso que Olhão é reconhecida como a capital do grafitti», diz Júlio Pereira, que pretende aproveitar esse estatuto.

E como é que se chega à futura sede? «O proprietário deste espaço contratou o SEN para lhe pintar um mural num outro armazém que possui na zona industrial de Olhão. O trabalho, contudo, não reuniu consenso e acabou por não avançar. O dono arranjou uma alternativa. Informou que tinha este edifício e que poderíamos pintar o que quiséssemos no interior», recorda. Ou seja, um processo curioso, no qual o proprietário abriu as portas aos artistas.

«Verdade. Quando cá vimos, percebemos o potencial e decidimos começar a reabilitar as instalações de forma a poder acolher a nossa sede. Queremos também ter uma sala para eventos, exposições, concertos e workshops», garante Júlio Pereira. A ideia é poder vir a gerar receitas quer para os artistas, através da venda dos seus trabalhos, quer para a tesouraria da ARTitude.

Com poucos meios e mão de obra voluntária, a velha fábrica vai ganhando cor e vida. Uma empresa local tem doado tinta, a pouco e pouco, num total de 400 litros. «Foi o único apoio que conseguimos até agora», diz.

No entanto, desde o início do último verão, já passaram por aqui artistas urbanos de Sevilha, Toronto, Colónia, Amsterdão e também de todo o país, que têm deixado as suas criações e assinaturas. «Todos vêm cá por causa do SEN, ou porque já o conhecem ou porque são recomendados. Mostra bem o reconhecimento que tem entre pares, fora de Olhão», sublinha Júlio Pereira.

Um coletivo de Setúbal pintou um mural de grandes dimensões que retrata os Mercados de Olhão, cenário noturno no qual sobressai uma rapariga olhanense. «Há ainda muita coisa por fazer até que as pessoas possam vir cá disfrutar. O grafitti é muito apelativo para vários públicos. Há pessoas que se dedicam a colecionar e a publicar fotografias das pinturas que vão recolhendo», explica.

Nuno António corrobora: «o nosso objetivo é, de certa forma, melhorar a imagem da arte urbana na comunidade. Sabemos que ainda existe um certo estigma. Muitas vezes, os artistas urbanos são considerados vândalos. O nosso papel será fazer um trabalho de desmistificação. Queremos colaborar com as entidades locais e regionais para valorizar este tipo de trabalhos que também podem fazer parte das cidades».

«Ao nível sociocomunitário, pretendemos desenvolver ações como workshops, para dar oportunidade aos jovens de experimentarem várias técnicas e, ao mesmo tempo, sensibilizá-los para o que não se deve pintar na esfera pública. Vamos começar a criar essas sinergias e dinâmicas». Aliás, «já temos alguns projetos na calha e vamos apresentar propostas para melhorar algumas zonas específicas de Olhão», acrescenta Nuno António. Ou seja, «queremos educar aqueles que pretendem iniciar-se na arte do graffiti. Há uma forma organizada de se fazer», pondera Júlio Pereira.

Do ponto de vista formal, a ARTitude está 100 por cento operacional para poder trabalhar e apresentar candidaturas ao apoio ao associativismo, assim como prestar serviços. Segundo o presidente da assembleia, a Junta de Freguesia de Quelfes tem interesse em contratar alguns trabalhos sobre «temas locais, como a revolução que levou à expulsão dos franceses, as lendas, as artes das pescas» pelo olhar destes artistas. SEN também tem estado ocupado e acabou de concluir um mural de grandes dimensões na Carrapateira.

Ainda no que toca à sede, a direção quer abrir o espaço à prática de skate indoor. Outro aspeto curioso é que a fachada da sede ficará limpa, com apenas uma cor. «Foi um acordo difícil com os artistas e, de vez em quando, ainda me perguntam se tenho a certeza. No futuro, teremos algum tipo de identificação, mas arte estará cá dentro», conclui. A associação está disponível para angariar mais associados, quer sejam artistas ou entusiastas e pode ser contactada por e-mail (artitude.associacao@gmail.com).