Engrenagens, cambotas de motor, molas de suspensão, correntes de transmissão, tudo serve para João Jesus criar peças únicas num artesanato de metal que tanto cativa aficionados das máquinas como fãs da natureza, na sua oficina no Moto Clube de Faro.
Um cavalo-marinho feito com componentes de mota, como discos e pastilhas de travão, rebites e parafusos é um bom exemplo da genialidade de João Jesus, que começa por se apresentar: «tenho 30 anos de sócio do Moto Clube de Faro e sou conhecido como o João da Honda» por ter trabalhado num stand e oficina da marca japonesa na capital algarvia.
«Durante toda a minha vida fui aquilo a que os espanhóis chamam de manitas. Tudo o que aparece para fazer, não tem problema. Fiz formação de eletricista primeiro na Escola Tomás Cabreira e depois na Marinha militar. Estive ligado às telecomunicações, estive emigrado e trabalhei num estaleiro naval. A minha última atividade normal, emprego, foi ligado às bicicletas, pois fazia competição. Também cheguei a fazer passeios turísticos na Ria Formosa. Aqui há três anos pensei que já chegava e que queria dar azo à minha imaginação. Sempre pintei, sempre resolvi problemas mecânicos e decidi abraçar este projeto como atividade principal».
Nasceu assim a Re-cycle em 2017. «Os meus trabalhos vão muito para o Moto Clube de Faro porque tudo isto é muito relacionado com as motas. Por exemplo, no jantar de aniversário, quando são convidadas as entidades e os clubes do país e do estrangeiro, há sempre uma lembrança ou troféu de presença que é entregue. No último ano tive a honra de ter sido o meu troféu o escolhido. Fiz 150 peças. Todas diferentes. Grande parte do que faço vai muito para o mundo das motas, mas há sempre alguém nas feiras de artesanato que gosta e a verdade é que vejo muito interesse por parte das pessoas», admite.
«Comecei na marquise lá de casa. Trabalhava muito com colheres e garfos porque não podia soldar grandes coisas» até que montou a oficina onde hoje trabalha. Na altura desta reportagem, o artesão autodidata estava a trabalhar em peças tão diferentes como candeeiros, relógios, bancos e até gafanhotos.
«Sonho de noite para fazer de dia», diz. «É óbvio que não vamos perder a grande fonte de informação que é a Internet. Sempre que navego sou influenciado, ainda que inconscientemente. Mas as minhas peças são o mais original possível. Não gosto de copiar. Há quem domine a técnica e limite-se a copiar. Não lhe tiro o valor porque ainda assim, também é preciso arte. Mas eu não. Gosto de fazer à minha maneira. Não me considero um perfeccionista, mas também não é isso que se pede. O ideal é termos uma ideia daquilo que queremos e criar, por exemplo, a interpretação de um cavalo-marinho».
Em relação às peças de motor, «tenho três fornecedores principais. Todos eles elementos do Moto Clube de Faro. Um tem uma oficina há muitos anos, uma das melhores do Algarve, a Justino Ramos, em Bela Curral. Toda a sucata, tudo o que é metal, eles guardam para mim. Depois tenho o Rui Barros, da Avalanche Algarve, que tem uma loja de bicicletas em São Brás de Alportel. Depois tenho o João Ilha, que é comercial há mais de 40 na Salvador Caetano, onde vou buscar as peças de automóveis. Mas são as que uso menos», diz.
Mas não se pense que «é só imaginar e criar. Levo muitas horas a limpar o material. Uma corrente chega-me em estado deplorável, com anos de quilómetros e quilómetros feitos» até ganhar nova vida. Rentabilizar esta atividade «só é problema se acharmos que é problema. Se pensarmos na mais-valia que é termos passado tanto tempo a fazer o que mais gostamos de fazer, isso não tem valor. As peças, em média, vendo-as entre os 60 e os 90 euros» mas as de maiores dimensões podem chegar aos 250 euros ou mais.
«Quem manda na minha peça sou eu. Quando vejo que a pessoa gosta mesmo e não tem grandes possibilidades, tento ajustar as coisas de forma a que a consiga adquirir. Chego às vezes a oferecer. A beleza está nos olhos de quem vê», conclui.