Apesar de todas as vantagens, a Dieta Mediterrânica enfrenta «desafios»

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Painel de especialistas, reunido em Tavira, no âmbito da Feira da Dieta Mediterrânica, diagnosticou ameaças a este padrão alimentar e estilo de vida.

Alguns dos mais desatacados especialistas nacionais em saúde e nutrição estiveram presentes no seminário «Saúde, Alimentação Saudável e Dieta Mediterrânica» que teve lugar na quinta-feira, dia 8 de setembro, em Tavira.

José Coucello, médico e membro da Fundação Portuguesa de Cardiologia, defendeu que «esta dieta compreende não apenas a alimentação. É um elemento cultural que propicia a interação social, implica uma atitude de respeito pela terra e pela biodiversidade e garante a conservação e o desenvolvimento de atividades tradicionais e artesanais ligadas à agricultura e às pescas». No entanto, «o aquecimento global e a poluição estão a modificar a saúde da população com aumento expressivo da mortalidade cardiovascular. A diminuição do exercício e o aumento do sedentarismo, a mudança de hábitos alimentares com tendência para alimentos processados e regimes alimentares com desequilíbrio calórico, têm aumentado a prevalência da obesidade, da diabetes mellitus tipo 2, e das doenças cérebro cardiovasculares».

Já Pedro Graça, presidente da Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto e ex-diretor do Programa Nacional de Promoção da Alimentação Saudável da Direção Geral da Saúde, elencou os vários desafios que a Dieta Mediterrânica enfrenta no presente.

Os censos 2021 mostram que o Algarve foi a NUTS II com maior crescimento populacional a nível nacional, sendo que na atual configuração demográfica, 18 por cento dos residentes são estrangeiros. «Preservar um modelo alimentar que já não tem por base o que se produz na região e onde as práticas alimentares de origem de um quarto da sua população e de um quarto dos encarregados de educação dos seus mais jovens são diferentes das preconizadas na Dieta Mediterrânica, é um desafio enorme», afirmou.

O segundo desafio prende-se com a evolução social e de paradigmas. «Se a maioria das mulheres já não quer regressar ao trabalho no campo, já não quer passar a sua vida na cozinha e já perdeu a sua ligação às fontes ancestrais de conhecimento culinário e alimentar, como as mandatar para defender este modelo tradicional?», questionou Pedro Graça, em jeito de provocação.

Por outro lado, «temos uma agricultura baseada na tecnologia e na mecanização e onde o processamento e o frio passaram a ser centrais para o transporte e manutenção dos produtos alimentares com maior durabilidade. Os alimentos ultraprocessados (muitas vezes adicionados de sal, açúcar e outros conservantes) são mais baratos do que os frescos. Enquanto o impacto ambiental não for considerado no preço final dos alimentos, o desafio económico é fazer com que o padrão alimentar mediterrânico continue a ser popular e acessível a todos. E que não passe a ser maioritariamente gourmet e diferenciado para um determinado nicho da população, ou visto como um produto turístico que apenas acrescenta valor à oferta alimentar na região».

Ao nível da saúde, é «importante distinguir o que na tradição mediterrânica nos protege, daquilo que nos mata precocemente. Um desafio importante, que é necessário assumir com coragem política face a alguns interesses económicos poderosos instalados e antes de dizer que tudo o que é tradicional é bom. Sabemos hoje, e a evidência científica é robusta nesse domínio, que ingerir calorias não necessárias é o maior detonador da epidemia do excesso de peso e doenças associadas como a doença oncológica, ao mesmo tempo, o maior incentivador da utilização abusiva dos nossos recursos naturais» reiterou o especialista.

«Frugalidade significa comer em função das necessidades energéticas e comer em qualidade e não em quantidade. Quem apoiaria a Dieta Mediterrânica se a sua tónica fosse a redução do consumo, mesmo que por razões ambientais? E como apoiaria a população do Mediterrâneo, que sempre lutou contra a escassez, este discurso? Em particular, se vier dos poderes públicos considerados privilegiados? Este é talvez um dos mais difíceis desafios», concluiu.

José Apolinário, presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) do Algarve, afirmou que a região continuará a apostar na preservação e promoção da Dieta Mediterrânica enquanto fonte de saúde e de sustentabilidade ambiental. Será âncora de vários projetos a apoiar no próximo quadro de fundos europeus, Portugal 2030. Apolinário elogiou também o trabalho concreto e de terreno desenvolvido pela Direção Regional de Agricultura e Pescas do Algarve, pela Associação In Loco e, sobretudo, o empenho do município de Tavira na realização anual da Feira da Dieta Mediterrânica.