Algarve vai ter uma Rede de Guardiãs da Natureza

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Rede de Guardiãs da Natureza pretende implementar projetos de recuperação dos ecossistemas, aproveitando os recursos endógenos.

A ideia de criar uma Rede de Guardiãs da Natureza é nova, recente, talvez pioneira a nível nacional e parte da BUSINESS as NATURE – Associação para a Produção e Consumo Sustentável e a Economia Circular.

Criada por um grupo feminino há quatro anos, a missão deste coletivo sem fins lucrativos é «envolver as mulheres e as meninas na sustentabilidade, na conservação da natureza e na preservação dos recursos naturais», diz ao barlavento Susana Viseu, fundadora e presidente da direção.

Numa primeira fase e em concordância com o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), foram selecionadas oito áreas protegidas, ao redor das quais se vão desenvolver as ações da futura Rede de Guardiãs da Natureza.

No Algarve, o ponto de partida é o Parque Natural da Ria Formosa (PNRF). «Queremos envolver mulheres com atividades diferentes para abranger uma certa diversidade, ligadas às atividades do mar, ao oceano e aos ambientes marinhos».

Rede de Guardiãs da Natureza pretende implementar projetos de recuperação dos ecossistemas, aproveitando os recursos endógenos.
Crédito: Bruno Filipe Pires.

Em cada uma das regiões, há uma coletividade parceira, que conhece bem o território onde atua, de forma a fazer a ponte entre as futuras guardiãs e a associação, sendo que no Algarve foi escolhida a Almargem, na pessoa de Anabela Santos, atual coordenadora da Via Algarviana. «Foi com o seu apoio que identificámos as primeiras possíveis guardiãs e as boas práticas que já existem no PNRF», explica Viseu.

As inscrições para integrar esta Rede encontram-se abertas até ao final do mês de setembro, disponíveis aqui, e por parte da região algarvia são mais de 40 as candidaturas que darão, depois, origem a 12 Guardiãs da Natureza no Algarve.

«Depois de selecionadas, as mulheres vão frequentar uma formação presencial e uma série de ações online até ao final de novembro. O que pretendemos é que cada uma delas, no final do processo, tenha estruturado uma ideia de um projeto a implementar. A segunda fase, a decorrer no próximo ano, é ajudar a que estes mesmos projetos se possam concretizar, encontrando fontes de financiamento para o materializar», refere a fundadora da BUSINESS as NATURE.

Prioridades bem definidas a sul

Além de Anabela Sousa, Ângela Rosa, de Tavira, ligada à agricultura sustentável e biológica, bem como a vários movimentos cívicos de proteção da natureza, Sílvia Padinha, presidente da Associação de Moradores da Ilha da Culatra (AMIC), e Valentina Munoz Faria, da Sciaena – Associação de Ciências Marinhas e Cooperação e a desenvolver trabalhos de conservação marinha, foram das primeiras mulheres a envolver-se. 

Rede de Guardiãs da Natureza pretende implementar projetos de recuperação dos ecossistemas, aproveitando os recursos endógenos.
Ângela Rosa, Sílvia Padinha, Valentina Munoz Faria e Anabela Santos.
Crédito: João Lázaro.

As quatro já se reuniram numa primeira mesa-redonda, «porque conhecemos bem os problemas do território», segundo Padinha, e a motivação para integrarem este projeto em redor do PNRF parece ser comum.

No caso da presidente da AMIC, «somos privilegiados porque nos foi reconhecido o direito de viver neste território rico e agora temos de o defender. A formação da BUSINESS as NATURE vai ser útil porque quero desenvolver um trabalho consciente. Somos o rosto para sensibilizar e trazer outras mulheres» para a causa.

«Esse é o meu objetivo, poder inspirar, para que mais mulheres sejam ativas na defesa dos valores naturais. Todas estas inscritas já têm um papel muito importante na nossa região e se juntarmos esforços, de certeza que o resultado será grandioso. Estou muito esperançosa e acho que o Algarve merece. Levamos anos a ver a região descaracterizar-se e cada uma a lutar por si e a tentar proteger o seu canto. Imagine-se, agora, todas juntas a lutar pelo conjunto. É isso que me move».

Para Valentina, «há muitos níveis para cuidar do ambiente. Com esta Rede, vamos ter uma base para ajudar a comunidade a ter políticas sustentáveis. Seremos também um meio para ligar e fazer uma ponte entre as ações na comunidade e as boas práticas ambientais». E para Ângela Rosa, «vamos dar voz pela proteção do PNRF, tanto em mar como em terra».

Questionadas sobre quais as prioridades que cada uma identifica na sua área de ação, Anabela Santos começa por destacar a falta de cultura e educação cívica. E a necessidade de «ferramentas» ao público, ao cidadão comum, sobretudo a quem está fora dos centros urbanos.

«Muitas vezes, a maior dificuldade das pessoas é perceberem até que ponto pode ser a sua intervenção. No Algarve, têm surgido movimentos cívicos muito importantes, que têm travado lutas importantíssimas e ajudado diversas associações. Quando há participações públicas, em alguns casos, temos conseguido resultados históricos. No entanto, quando vamos ao interior, ninguém participa porque não sabem como o fazer. Quando dão conta, o problema já está instalado. O interior está a saque. Faz falta dar o conhecimento e as ferramentas a mais pessoas que possam também dar opinião enquanto parte da comunidade. Gostava de conseguir disseminar esta informação porque é chocante que se tomem decisões sobre o território atrás de uma secretária. É preciso ouvir quem vive e trabalha no terreno», aponta.

No sector da agricultura, de acordo com Ângela Rosa, também há vários pontos a melhorar no Algarve.

«Continuam-se a usar herbicidas, adubos de síntese com lixiviação a escorrer para a Ria Formosa e a contaminar os mariscos. Também é inadmissível que se procedam a desinfeções com inseticidas e pesticidas em plena época de nidificação de aves no PNRF. É proibido, mas ninguém fiscaliza. Gostava que, por exemplo, no próximo Plano Estratégico de Política Agrícola Comum (PEPAC) conseguíssemos, junto do Ministério, proibir estas práticas. Algo que também gostava de criar e promover, porque ainda não existe, é um Manual de Boas Práticas de Agricultura no PNRF», sugere.

Também na Ria Formosa, segundo Sílvia Padinha e Valentina Munoz Faria, é necessário criar um Manual de Boas Práticas para o Turismo Sustentável e um Plano de Capacidade Carga.

«O nosso objetivo primário é esse. Neste momento não existe um plano que limite a quantidade de embarcações. Já atingimos um limite? Temos capacidade para crescer? Em que ponto estamos? Há uma desorganização total nesse aspeto e falo em todas as atividades, sejam marítimo-turísticas, recreio, pesca, marisqueiro, velejadores, tudo o que navega na Ria Formosa sem estar sujeito a cumprimento de regras» ambientais. «Procuramos um equilíbrio entre o ser humano e o ambiente e gostava que fosse criado esse documento porque ninguém sabe em que ponto estamos. Com esse manual, também podemos ajudar na criação de leis. A verdade é que podemos ajudar muito, temos muitas ideias e conhecemos o território porque vivemos nele».

Rede de Guardiãs da Natureza pretende implementar projetos de recuperação dos ecossistemas, aproveitando os recursos endógenos.
Crédito: Bruno Filipe Pires.

Para Valentina, há outro aspeto fundamental a destacar do ponto de vista social.

«Vejo um potencial muito grande com esta Rede em valorizar o papel das mulheres no cuidado dos recursos marinhos, em serem ativistas e em mostrar que os seus trabalhos são produtivos, porque muitos são invisíveis e não são valorizados. Por isso acho tão importante podermos influenciar outras mulheres a partilhar preocupações para tentarmos construir um futuro melhor para todos».

Em relação a possíveis financiamentos para a Rede de Guardiãs da Natureza, Susana Viseu refere que durante a formação serão apresentadas às candidatas selecionadas todas as potenciais fontes disponíveis, desde programas europeus a investidores privados.

«Para cada tipo de projeto, vamos ver qual o melhor parceiro para a sua implementação, que pode ser no âmbito, por exemplo, do Programa de Desenvolvimento Rural (PDR), ou de programas de apoio à pesca», diz.

Questionada sobre qual o futuro deste projeto, a fundadora da BUSINESS as NATURE aponta para a internacionalização.

«Temos intenção de abranger os países de língua portuguesa, Espanha e a América Latina. Queremos que esta Rede de Guardiãs seja mais global e que permita sinergias e troca de experiências, que acabam por enriquecer muito a atividade de cada uma», conclui.

Perfil das candidatas

Depois de ter realizado projetos relacionados com a problemáticas dos plásticos marinhos e do aquecimento global, com parceiros internacionais de diversos sectores, a BUSINESS as NATURE está agora a promover a Rede de Mulheres Guardiãs da Natureza e Desenvolvimento Sustentável do Mundo Rural.

A iniciativa que começa a dar os primeiros passos, conta com a parceria do ICNF e o apoio do Fundo Ambiental do Ministério do Ambiente e da Ação Climática. O foco continua a ser «a conservação da natureza e a possibilidade de regenerar e conservar ecossistemas em áreas protegidas», segundo aponta Susana Viseu. 

E o que se poderá esperar?

«Queremos tentar inspirar outras pessoas que achem que esta iniciativa possa ser uma oportunidade. Mulheres que tenham a capacidade de connosco, pensarem em projetos no território que possam dar origem ao desenvolvimento de uma atividade económica. Ou seja, que sejam sustentáveis do ponto de vista financeiro e que estejam ligados à conservação e educação ambiental. E queremos que seja algo que se mantenha no futuro e que não se extinga. Esta primeira fase é mesmo para se poder definir todo um conjunto de ideias. Mas, em alternativa, também poderá abranger projetos já existentes», diz. 

Por exemplo, «uma mulher que desenvolva a sua atividade como mariscadora e/ou pescadora e que veja nisso a possibilidade de desenvolver de outra forma o seu negócio. A partir daí, queremos criar sinergias entre elas e no futuro tentar elaborar uma plataforma de apoio à divulgação e comercialização dos ser produtos. Se há alguém que envolvido na educação ambiental, poder transformá-la ou integrá-la numa atividade de animação turística com um percurso de natureza, ligar isso a alguém que tenha alojamentos sustentáveis e juntá-lo a quem produza compotas e mel. É esse tipo de redes que pretendemos promover», descreve Susana Viseu.

A outra vertente do projeto das Guardiãs da Natureza está relacionada com a promoção de conhecimentos, de forma «viva e útil».

«Faremos a ligação com universidades e centros de investigação para que não haja apenas um único produto. Ou seja, se houver guardiãs que pretendam produzir conhecimento, vamos ajudá-las a que possa ser publicado e até, possam dar formação», justifica a dirigente associativa.

As inscrições estão abertas até ao final do mês de setembro, no website oficial da associação BUSINESS as NATURE, sendo que o PNRF, a nível nacional, é o que conta com maior número de candidaturas.

De acordo com Susana Viseu, podem inscrever-se «todas as mulheres que tenham como objetivo principal as questões ligadas à proteção da natureza e ao desenvolvimento económico sustentável no território. É para todas as que queiram fixar-se, manter e aproveitar de forma sustentável todos os recursos endógenos».