Algarve Covid Free, e agora?

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Grupo de 19 autores de várias áreas analisam a situação atual e apresentam uma proposta para retoma da economia algarvia, sob a égide da Ibn Qasi, Associação filantrópica e de reflexão culturas do Mediterrâneo.

I. Considerações pós-estado de emergência

Os portugueses têm conseguido resistir a uma maior tragédia pessoal e comunitária, comparando com os demais países latinos, devido às circunstâncias de tempo de aviso e experiências de terceiros que assim impuseram diversas medidas de recolhimento conveniente que se vieram a mostrar úteis evitando problemas de saturação nas estruturas de saúde.

A 25 de abril de 2020, estudos epidemiológicos projetam, que cerca de 200 mil portugueses poderão já ter tido contacto com o vírus Sars-Cov-2 (Covid-19), ou seja, apenas cerca de 2 por cento da população total.

Neste cenário, em que nem existe medicamento específico para tratamento da doença, nem vacina para a evitar e os portugueses não estão imunizados à mesma, antecipa-se como muito provável um maior risco de exposição a uma «segunda onda» de contágios antes de tais descobertas estarem disponíveis para a evitar.

a) A situação no Algarve: Seja pela reduzida densidade populacional e sua dispersão por núcleos urbanos de reduzida dimensão, seja ainda pela altura do ano em que surgiu e alastrou a epidemia (depois classificada de pandemia) coincidir com uma muito menos procura de turistas/visitantes na região e ainda pela intervenção das oportunas medidas de proteção, primeiro à população escolar e encarregados de educação e logo a seguir à população em geral que não exercesse atividades em serviços essenciais, assim como a coincidência com o forte condicionamento nas fronteiras terrestres e por via aérea com o encerramento de estabelecimentos, a região, tal como o Alentejo e a Madeira, ficou muito abaixo das situações de contágio que outras onde a concentração e dimensão urbana é comparavelmente superior;

b) As pessoas: Em geral tem-se verificado um nível de adesão às medidas de distanciamento social e recolhimento no país, que a par do aumento progressivo da realização de testes e com as notícias dos resultados em saúde noutros países, vieram a obrigar a tal consciencialização por um lado e confiança nas medidas por outro. No entanto, por força de no Algarve se concentrarem mais de 150 mil habitações de segunda residência e de se terem atravessado períodos de deslocação de férias habitual, acrescido a maior disponibilidade dos seus proprietários, ocasionaram situações de expetativa e alarme quanto às migrações norte/sul e circulação livre na região de potenciais infetados e mesmo de doentes recenseados que ocasionaram contágios.

c) As empresas: A decisão de encerramento, seja por decisão legislativa, seja por decisão dos empresários considerando a inexistência de mercado/negócio devido à exiguidade de fluxos de clientes, veio a resultar na paralisia da atividade económica. Ainda que apoiada financeiramente com algumas medidas estatais. A situação provocou um impasse preocupante, seja no pequeno comércio e pequenas empresas que não tiveram acesso a tais medidas e dependentes da fraca poupança das famílias, seja nas médias empresas, onde consideramos os alojamentos turísticos e parques temáticos, que por serem de capital intensivo estão muito dependentes da banca e de suprir aos fornecedores em geral.

II. Situação presente

A expetativa quanto ao próximo futuro é, portanto, enorme e atravessa toda a população, pois que mesmo os milhares de empregados que estão em situação de layoff (Segurança Social) viram os seus parcos rendimentos do trabalho reduzidos imediatamente em 33 por cento e, mormente, os desempregados habituais de época baixa não reocuparam os empregos em março (-4000 contratados), além dos que estavam em contrato a termo, por essa mesma altura não viram a situação renovada engrossando, em +2000, os inscritos nos Centros de Emprego.

Deixamos já um registo de agradecimento a todos os efetivos dos serviços públicos que se adaptaram, asseguraram e asseguram todas as funções numa situação de completa novidade, que são constituídos por pessoas, que têm famílias como os demais concidadãos.

Também aos voluntários que vieram em socorro dos mais necessitados e às IPSS que ainda se empenharam mais como se fosse possível já para além do tanto que dão sempre. O melhor de nós voltou ao de cima e tornou-nos mais aptos a responder a situações de crise.

Também às autoridades em geral e ao poder político. Todos estão ao mais alto nível de desempenho e dão motivo de orgulho (na circunstância) a Portugal no mundo.

No entanto, a situação é de impasse – repetindo: nem medicamento, nem vacina, nem imunização da população. Os acréscimos de contágios diários se estão controlados ao nível próximo de um infetado contagiar outra pessoa, com tendência a ir diminuindo, demonstra que a situação viral é expetante podendo, a qualquer movimento de liberdade, recrudescer de novo.

É neste quadro de dificuldade que refletimos com a necessidade de se tomar decisões. Ficar reféns do desconhecido para evitar efeitos piores na saúde ou retomar, controladamente a atividade?

III. O futuro próximo

Adivinha-se que o nosso principal parceiro comercial, com quem temos a única fronteira terrestre e maiores relações de visita, irá, gradualmente, retomar a atividade, a partir já do mês de maio. É por essa altura (dia 18) que teremos que decidir, ambos os governos, «reabrir» as fronteiras e em que termos. Antecipamos que, na primeira semana de maio, já Portugal terá substituído o estado de emergência por calamidade pública, dando sinal de manter controlada a circulação e medidas de contenção social, mas de retoma gradual da atividade também.

Ao mesmo tempo que os grandes operadores de viagens estão a dar sinais de disponibilidade para reentrada nos mercados e do transporte aéreo para a segunda quinzena de junho. Os vários países emissores de turistas vão dando sinais contraditórios, ora desaconselhando as viagens ao estrageiro, ora atenuando as dificuldades de quarentena, no regresso, se as viagens forem para países fronteiros.

Portugal, enquanto país receptor vai estar no foco das pressões sobre que atitude tomará. Também por, comparativamente, ser quase «Covid Free». Também porque o principal destino do turismo internacional e que recebe mais de metade do número de dormidas, ser o Algarve e nesta região se fixarem em maior número as segundas residências de férias, quer dos nacionais, quer das demais nacionalidades. São quase 7.5 milhões de turistas, a maior parte concentrados em poucos meses…

Aqui se vinca e desde já a primeira dúvida para o Algarve, distintamente do restante território nacional.

Em qualquer cenário, de decisão do governo português quanto à reabertura (ou não), como vamos impedir a utilização das mais de 200 mil casas pelos seus detentores?

Além, portanto, das apenas 120 mil camas do alojamento classificado e que normalmente está sujeito a controlo higiosanitário e de utilização regrada em acessos e serviço (i.e. de refeições). Num total de dormidas superior a 30 milhões/ano no Algarve.

Desde logo, antecipa-se como impossível um verdadeiro controlo de acessos às praias. Apenas a interdição seria a medida, mas tal seria sinal que a restrição de acesso à região, afinal, estaria para ser decidido, o que não antevemos justificado.

De forma pragmática consideremos que, verdadeiramente, estamos dependentes de decisões partilhadas com os outros estados-membros (países emissores) e operadores de viagens/capacidade aérea, além de primacialmente do nosso vizinho fronteiriço.

De outro plano, a realidade do turismo de eventos e assim a movimentação/concentração de milhares de pessoas num período mais curto (cultura/desporto) e dos parques temáticos tem de ter resposta.

Decisões que, repete-se, terão de ser tomadas tendo por base a realidade do ataque à pandemia: nem vacina, nem medicamento, nem imunidade provada. Acrescente-se: nem situação económica e financeira mundial sustentável para nos permitirmos ficar reféns, por tempo indeterminado, sem sofrer as consequências a muito longo prazo de tal opção e no presente e futuro das próximas gerações.

Recuperemos apenas uma constatação do que é afinal a realidade da região, empresas em atividade de capital intensivo, altamente alavancadas para os seus investimentos em operações de longo prazo. Quanto tempo se consegue prolongar o incumprimento e com que consequências gerais? Quem irá conseguir cumprir as obrigações do futuro e recuperar destas? Estaremos disponíveis para perspetivar uma intervenção de Estado e/ou Credores no capital/gestão do nosso tecido empresarial?

Basta apreciar a pressão e sofrimento causado à tesouraria das empresas, nestes dois meses, mesmo com apoio na redução de encargos fixos e moratórias fiscais e de encargos sociais, para se antever a situação sem retoma a prazo.
É aqui que se retorna à exigência da diversificação da base produtiva, reconversão profissional de ativos.

Estamos de acordo, «ontem já foi tarde» e hoje é imperioso lançar essas bases, mas evidentemente não oferece solução viável para a situação em que se vive nos próximos tempos imediatos.

Mas sim, precisamos rever a utilização de solos para capacitar os investimentos na economia do primeiro setor e de regressar às atividades do mar.

Reconverter e complementar o Turismo. Não é preciso menos turismo, é preciso muito mais das outras atividades e setores.

Acreditemos que para se lançar essas bases se poderão vir a aproveitar a nova reafectação e aumento de Fundos Europeus nas áreas do investimento público diretos na Saúde e indiretamente…na Saúde (ambiente/transportes/energia/tecnológicas para garantir o «digital new normal»), mas é evidente que os meios serão já prioritariamente necessários para atenuar a crise financeira imediata.

Acrescendo a limitação em que se não se permitirá a injeção de subvenções diretas às empresas privadas sem mais.

E, em geral, teremos que revisitar a questão da sede fiscal das empresas face ao local onde se originam afinal os seus recursos.

IV. Opção – Cenário Viável

Todos os países e operadores de viagens terão um comportamento responsável, pois que, ao limite, conhecem as consequências de um regresso da sua população mais contagiada, outra vez. Este é o cenário viável a considerar na circunstância e até haver medicamento ou vacina para esta ameaça, ou ainda conseguir testar a imunização da nossa população. Aliás este será o único cenário futuro pois que se antecipa novas situações virais com potencial de se tornarem pandemias pela globalização crescente. Uma retoma gradual e controlada.
Assim proponhamos a sensibilização confiante e façamos foco nas medidas para tal atitude ser consequente e efetiva: Gradual e Controlada.

Parte 2

Justificação da tipologia de medidas

A opção por uma retoma viável, gradual e controlada deve contribuir para, ao mesmo tempo que convida a um regresso responsável à atividade com vista à normalização da vida em sociedade, protegendo cada um dos intervenientes em segurança, motiva e privilegia também todas as medidas num sentido que atenue a procura concentrada no Algarve, com um potencial de 7 milhões de visitas, para recuperar/transferir a economia para a época média e baixa, contribuindo portanto para o melhor equilíbrio e distribuição da procura e oferta assim privilegiada, com enfoque dos benefícios, isenções ou manutenção de emprego.

Desincentivar, agravar nalguns casos e condicionar o convite imediato a uma resposta desordenada e em força vindo de um período de confinamento em que a atividade viral ainda é latente e o perigo de contágio superior.

Igualmente incluir o regramento e resposta a atividades normalmente fora da organização formal da oferta assim como alargar os benefícios a atividades para além do alojamento turístico oficial para as áreas da cultura, desporto, restauração e similares, rent-a-car e segundas habitações, eventos, parques temáticos e espaços públicos normalmente não consideradas e que no Algarve são determinantes.

Finalmente uma recomendação para a reabertura de atividades de proximidade e pequeno comércio, sabendo-se que são as unidades económicas que mais dificilmente terão acesso a medidas de apoio à recuperação e a que os incentivos raramente conseguem chegar e assim impactam negativamente na sustentação da vida e família dos seus proprietários, sendo que, estando abertos ajudam ao mesmo tempo a evitar maiores concentrações noutros estabelecimentos até agora privilegiados.

Medidas de apoio ao emprego

a) Layoff simplificado (suspensão de atividade ou redução de horário) – Para as empresas que decidam manter a sua atividade encerrada ou reduzida, manter e prolongar o prazo de aplicação até ao mês anterior à páscoa de 2021 e assim controlar a disponibilidade de oferta global da região;

b) A remuneração dos trabalhadores na situação da alínea anterior deve ser compensada, na parte correspondente ao empregador em suspensão de atividade, por ações de formação, formação-ação ou medidas de adaptação funcional ou de conversão profissional;

c) As medidas de apoio à contratação e criação do próprio emprego em áreas de inovação e diversificação empresarial e/ou de base produtiva deverão ser reforçadas e majoradas no Algarve;

Medidas de Crédito

Aprovação de uma linha de crédito específica, com duração até 8 anos com carência de capital nos dois primeiros, direcionada para as empresas no Algarve, com juros a 1 por cento, convertíveis, em parte, a fundo perdido, em função de cumprimento de objetivos de manutenção e criação de emprego líquido;

Medidas fiscais

a) Acrescentar à lista de isenções nas operações internas previstas no art.º 9.º do Código do IVA as transações de dispositivos clínicos de proteção comunitária e pessoal, tais como luvas, gel-desinfetante alcoólico, viseiras e proteções separadoras, assim como máscaras que passam a operações isentas de IVA;

b) Dedução à coleta de IRS durante 2 anos de 10 por cento das despesas com acesso à cultura, alojamento turístico oficial e restauração, com o limite de €1.000;

c) O pagamento de impostos já vencidos pode ser diferido por um prazo de até quatro anos, sendo que as dívidas ao Estado das empresas deixam de ser condicionantes para efeitos de concessão de créditos e outros benefícios;

d) Suspensão temporária do pagamento de impostos por conta: Pagamento por conta, Pagamento Especial por Conta;

e) O Imposto de Selo e ainda o Imposto único de Circulação (no caso das rent-a-car) poderão integrar-se na faculdade da alínea c) anterior, assim como os encargos para a Segurança Social dos períodos correspondentes a estados de emergência e de calamidade;

f) O pagamento de IMI e AIMI; assim como as taxas municipais de serviços de saneamento poderão ser isentas ou reduzidas, o respetivo pagamento prorrogado, ou majoradas por decisão do órgão deliberativo local comunicada imediatamente aos serviços da Autoridade Tributária, para efeitos da prestação seguinte, consoante o proprietário esteja com o seu estabelecimento encerrado ou não utilize a faculdade de ocupação privada durante o verão de 2020, podendo ser agravadas em situação contrária;

g) Reduzir o IVA do golfe turístico para a taxa de 6 por cento do alojamento turístico, não olvidando, ainda e sempre, que o Algarve é considerado, pela terceira vez, o «Melhor Destino de Golfe do Mundo» com as suas mais de 1,4oo milhões de voltas/ano nos seus 40 campos que muito qualificam e equilibram a procura sazonal do destino;

Outras

a) Durantes os períodos de declaração de estados de emergência ou calamidade associados a epidemias ou pandemias, o Estado assegura a extensão e validade das coberturas de seguros contratados para os períodos anteriores;

b) Considerando a exposição internacional das atividades exportadoras de serviços turísticos, o Estado assegura e incentiva a introdução e acesso favorável das empresas no mercado a seguros de risco de crédito. Mormente para assegurar os riscos com os países emissores mais relevantes, em que o Estado suportará 20 por cento do prémio de seguro desses mercados emissores externos i.e: Reino Unido 30 por cento, Alemanha 10 por cento, França 8 por cento, Holanda, Irlanda e Espanha cada em redor dos 7 por cento.

c) As verbas disponibilizadas para a promoção turística do Algarve nos mercados internacionais serão reforçadas assim como a participação privada na sua decisão e gestão. Apoiar e incentivar sinergias entre a hotelaria, restauração, património cultural e rent-a-car.

d) Suspensão das portagens na A22;

e) O Acesso às praias poderá ser franquiado a título e em período excecional.

f) A atenção é necessária para envolver e incluir sustentadamente as mais de mil empresas de animação turística e marítimo turísticas e as milhares de pequenas iniciativas de desenvolvimento local e artesãs, com os pequenos produtores que caracterizam o nosso destino e enriquecem a visita e a experiência que faz regressar as famílias que se surpreendem com o Algarve.

Comunicação da posição

Ao Coordenador do estado de Emergência do governo na região, AMAL e Associações empresariais. Aos algarvios.

Alea jacta est: estamos perante um Rubicão. Mas se a esperança, coragem e talento, forem grandes havemos de o atravessar!

Alvaro Viegas; Carlos Alberto Martins; Carlos Roque Figueira; Eduardo Paulo Viegas; João Carlos Oliveira; José Mendonça de Sousa; José Ramalhete; Luis Coelho; Luis Vicente; Manuel de Brito; Nuno Cabrita; Osvaldo Rocha; Paulo Bernardo; Paulo Neves; Ricardo Clemente; Rui Calado; Rui Manuel Mateus; Sayil Van Melle; Tiago Botelho Silva, associados da Ibn Qasî, em 25 de abril de 2020.