A solução francesa para o grave problema dos reembolsos de serviços turísticos

  • Print Icon

A solução francesa para o grave problema dos reembolsos a consumidores das agências de viagens e outros prestadores de serviços turísticos.

Num artigo anterior avancei a pioneira solução do legislador italiano. Desde então, vários países conceberam diferentes soluções legislativas, e assistimos também, ao nível associativo, à difusão de um modelo uniforme de voucher.

Em Portugal, não existe qualquer solução concreta nesse domínio, seja ao nível de lei ou no plano associativo, o que constitui uma desnecessária perturbação para as empresas, que ficam entregues a si próprias.

Não vale a pena esperar por uma milagrosa solução europeia, sobretudo a partir da recente posição relativa aos direitos dos passageiros do transporte aéreo (Regulamento 261/2004) e, faltando o conforto europeu, há que avançar rapidamente ao nível de cada um dos Estados-Membros.

Entre nós, vive-se o choque decorrente da surpresa de um seguro que teria sido contratado na expectativa de proteger este tipo de epidemia, mas que afinal não cobre tal risco. Não havendo um seguro, resta um diferendo que só os tribunais ou a arbitragem podem dirimir, pelo que não vale a pena perder mais tempo, pois não será este mecanismo a ressarcir os operadores turísticos e os viajantes.

Embora daí possam resultar sérias complicações para um fundo de garantia que irresponsavelmente comporta uma verba manifestamente insuficiente, não cobrindo sequer 20 por cento da falência de um grande operador em época alta, violando, assim, gravemente a legislação europeia.

Faltando a Europa, impõe-se a inteligência e a celeridade dos legisladores nacionais. Um bom diploma é aquele que o Conselho de Ministros francês aprovará amanhã. Parte de um objectivo fundamental, a  prevenção da falência de empresas e das nefastas consequências do colapso sobre o emprego:

«No contexto excepcional da disseminação da COVID-19, muitos Estados, incluindo a França, adotaram medidas restritivas de viagem, o que leva muitos viajantes a solicitar cancelamentos e reembolsos às agências de viagens. Além disso, certos serviços são cancelados por decisão do respectivo prestador.

Concomitantemente, esses operadores sofrem uma redução drástica na reserva de viagens. Pesam, sobre esses operadores, enormes dificuldades de tesouraria que podem conduzir ao colapso financeiro.

Atualmente, são mais de 7.100 operadores e agências de viagem que desenvolvem a sua atividade em França, os quais, perante um volume de cancelamentos sem precedentes e com vendas quase nulas, estão em grande dificuldade».

A lei francesa introduz uma modificação nas obrigações das empresas para permitir que ofereçam a seus clientes, por um período considerável (18 meses), um reembolso na forma de uma proposta para o mesmo serviço ou equivalente, ou através de um vale que impede que o cliente reclame o reembolso durante o seu período de validade.

No essencial, o legislador francês derroga o direito ao reembolso previsto no Código do Turismo – uma inovação ao nível mundial na forma de disciplinar a atividade turística – e no Código Civil.

Deste modo, equilibra os interesses em presença, maxime o apoio às empresas do setor neste período de crise com respeito pelos direitos do consumidor.

A Ordonnance aplica-se às resoluções dos contratos depois de 1 de março e até 15 de setembro, relativamente a contratos de viagem organizada e serviços de viagem conexos, alojamento, rent a car e outros serviços turísticos.

O legislador francês exclui os títulos de transporte disciplinados pela legislação internacional e da UE sobre os direitos dos passageiros, o que é de elementar bom‑senso, atendendo à Comunicação da Comissão de 18.03.2020 C(2020) 1830 final, precisamente sobre essa matéria.

De França, o maior destino turístico mundial e um país pioneiro no Direito do Turismo, chega-nos uma solução equilibrada para os conturbados tempos que vivemos.

Inspiremo-nos, pois, no legislador francês e contribuamos com idêntica solução legal para minimizar o impacto do Coronavírus nas empresas do turismo portuguesas, preservando a sua atividade, mantendo o emprego e garantido aos consumidores o serviço que contrataram num período razoável.

Carlos Torres | Advogado, Professor da Escola Superior de Hotelaria e Turismo do Estoril (ESHTE)